Ata Notarial como meio de prova

CONCEITO E ASPECTOS GERAIS

 

A Ata Notarial é um documento lavrado por um Tabelião de Notas e, consequentemente, traz consigo a característica da fé pública, ou seja, possui presunção de veracidade. Trata-se de instrumento muito relevante para que se possa conferir fé pública à existência ou do modo de existir de fatos jurídicos quando constatados por um Tabelião de Notas ou seu preposto autorizado (escrevente), seja por uma constatação mediante apresentação de fatos ou mediante verificação in loco.

 

A utilização da Ata Notarial como meio de prova, seja no âmbito judicial ou extrajudicial tem se mostrado uma excelente estratégia para que os fatos ali descritos possam ser apresentados com presunção de veracidade, ou seja, impõe à outra parte o ônus de provar o contrário.

 

É importante ressaltar, também, que quando se pretender levar um fato para apreciação judicial a realização da Ata Notarial pode tornar a tramitação processual mais otimizada. Tanto é assim, que o próprio Código de Processo Civil vigente faz expressa menção a este valiosíssimo meio de prova no artigo 384. Vejamos:

 

Art. 384. A existência e o modo de existir de algum fato podem ser atestados ou documentados, a requerimento do interessado, mediante ata lavrada por tabelião.

 

Parágrafo único. Dados representados por imagem ou som gravados em arquivos eletrônicos poderão constar da ata notarial.

 

CASOS DE OBRIGATORIEDADE DE ATA NOTARIAL

 

USUCAPIÃO EXTRAJUDICIAL

 

Apesar de se tratar de um instrumento facultativo, em um caso específico haverá obrigatoriedade normativa de realização de Ata Notarial quando se requerer a Usucapião na esfera extrajudicial, conforme o Provimento 65/2017 do Conselho Nacional de Justiça. Eis o teor:

 

Art. 4º O requerimento será assinado por advogado ou por defensor público constituído pelo requerente e instruído com os seguintes documentos:

 

I – ata notarial com a qualificação, endereço eletrônico, domicílio e residência do requerente e respectivo cônjuge ou companheiro, se houver, e do titular do imóvel lançado na matrícula objeto da usucapião que ateste:

 

  1. a) a descrição do imóvel conforme consta na matrícula do registro em caso de bem individualizado ou a descrição da área em caso de não individualização, devendo ainda constar as características do imóvel, tais como a existência de edificação, de benfeitoria ou de qualquer acessão no imóvel usucapiendo;

 

  1. b) o tempo e as características da posse do requerente e de seus antecessores;

 

  1. c) a forma de aquisição da posse do imóvel usucapiendo pela parte requerente;

 

  1. d) a modalidade de usucapião pretendida e sua base legal ou constitucional;

 

  1. e) o número de imóveis atingidos pela pretensão aquisitiva e a localização: se estão situados em uma ou em mais circunscrições;

 

  1. f) o valor do imóvel;

 

  1. g) outras informações que o tabelião de notas considere necessárias à instrução do procedimento, tais como depoimentos de testemunhas ou partes confrontantes.

 

CONSTATAÇÃO DE FATOS E INFORMAÇÕES EM AMBIENTEL VIRTUAL

 

Noutra senda, a constatação de fatos ocorridos no ambiente virtual é algo que, atualmente, se mostra bastante dinâmico. Juntar em um processo uma imagem capturada – “print” – seja de conversas em aplicativos de mensagens (WhatsApp, Telegram, etc.) ou de um sítio virtual, não é, por si, considerado como uma prova com presunção de verdade.

 

Recentemente o Superior Tribunal de Justiça – S.T.J. consolidou entendimento de que a juntada de “print” em autos judiciais não são válidas como meio de prova sob o fundamento de que há uma grande facilidade na alteração de tais provas, salvo quando acompanhados lavratura de Ata Notarial (R.H.C. 133430 – PE (2020/0217582-8).

 

ADJUDICAÇÃO COMPULSÓRIA EXTRAJUDICIAL

 

A Medida Provisória 1.085/2021, quando da sua conversão em lei, trouxe, inicialmente, previsão da obrigatoriedade de ata notarial para procedimento extrajudicial de adjudicação compulsória, porém, houve veto presidencial do respectivo dispositivo.

 

Nas razões do veto, o Presidente da República apontou, como principal fundamento, a não oneração do procedimento de adjudicação compulsória extrajudicial impondo que se lavre a Ata Notarial.

 

Ocorre que, ainda que não tenha sido mantida a necessidade, não se pode desconsiderar a intenção do legislador, que era dar maior segurança ao Oficial de Registro de Imóveis para a qualificação registral. Logo, mesmo não sendo obrigatória, muito importante que se avalie o quão benéfico pode ser a lavratura da Ata Notarial para instruir o procedimento de adjudicação compulsória extrajudicial.

 

PUBLICIDADE DA ATA NOTARIAL

 

Os atos notariais e registrais, por terem natureza de atos administrativos, devem obedecer ao princípio da publicidade, conforme estampado no caput do artigo 37 da Constituição da República.

 

Ademais, a publicidade notarial e registral é um princípio infraconstitucional que constitui um dos pilares de sustentação da atividade, ou seja, a publicidade é elemento essencial de qualquer ato notarial e registral e somente pode ser afastada ou mitigada em casos excepcionais.

 

Em se tratando de Ata Notarial, a certidão poderá ser emitida a qualquer pessoa, desde observados dois requisitos essenciais:

 

  • O cumprimento da proteção de dados, nos termos da LGPD, bem como do Provimento 134/2022 do CNJ;
  • A inexistência de informações que possas afetar a intimidade ou segurança de alguma das pessoas mencionadas no ato.

 

Podemos citar, por exemplo, uma Ata Notarial onde se busca constatação de fatos onde uma pessoa foi vítima de divulgação ilícita de imagens íntimas; ou onde tem a constatação de fatos que possam caracterizar crime sexual; etc.

 

Apesar de não haver regulamentação específica para definir os limites da publicidade, até mesmo pelo fato de que tal regulamentação não seria suficiente para tanto, a verificação pode ter como critérios mais objetivos os casos em que a própria lei prevê a necessidade de sigilo em eventual demanda judicial (casos que envolvam menores, crimes sexuais, violação da intimidade ou segurança da pessoa).

 

Porém, há de se ressaltar que, de modo mais subjetivo, deve o Tabelião de Notas avaliar a possibilidade de se publicizar indistintamente o conteúdo, valendo-se da sua capacidade intelectual e, principalmente, da virtude cardeal da prudência, considerada por Sto. Tomás de Aquino como a mãe das virtudes, pois dispõe a razão prática a discernir as circunstâncias, escolhendo assim o meio adequado para realizar algum bem (cf. CIC 1806).

 

CONCLUSÃO

 

Desta feita, é inconteste que a Ata Notarial, prevista como meio de prova previsto no Código de Processo Civil, é um valiosíssimo instrumento para bem manejar a instrução probatória tanto em procedimentos extrajudiciais quanto em processos judiciais, pois, como já dito alhures, lavrada a Ata Notarial, incumbirá à outra parte a prova contrária do que nesta consta.

 

Por fim, é importante destacar que é de extrema importância que se busque a lavratura da Ata Notarial o quanto antes, principalmente quando se tratar de Ata Notarial para constatação de fatos no ambiente virtual, uma vez que, repita-se, a constatação pode restar prejudicada simplesmente pela possibilidade de exclusão ou alteração do conteúdo que haveria de ser constatado pelo Tabelião de Notas.

 

Silmar Lopes é advogado e professor.