Ata notarial: vantagens e aplicabilidade na gestão condominial
Em um cenário de crescente complexidade jurídica e social, o uso da ata notarial permite ao síndico atuar com prudência, transparência e eficiência
Ata notarial: Conceito, fundamentação, vantagens e aplicabilidade na gestão condominial
1 – Introdução
A ata notarial é um instrumento público de constatação de fatos, lavrado por tabelião de notas, que goza de fé pública e tem por finalidade registrar, com imparcialidade e precisão, fatos, situações ou circunstâncias presenciadas pelo notário. Seu conceito jurídico encontra respaldo no art. 384 do CPC (lei 13.105/15), segundo o qual:
“A existência e o modo de existir de algum fato podem ser atestados ou documentados, a requerimento do interessado, por meio de ata lavrada por tabelião.”
Do ponto de vista notarial, o fundamento da ata se encontra nos arts. 7º, inciso III, e 215 da lei 8.935/1994 (lei dos notários e registradores), que atribuem ao tabelião a competência para redigir instrumentos públicos dotados de autenticidade e validade probatória plena.
2 – A ata notarial e sua regulamentação pelo CNJ
A CNJ – Corregedoria Nacional de Justiça, por meio do provimento 100/20, também regulamentou a prática de atos notariais eletrônicos, o que inclui a lavratura de atas notariais por meio de videoconferência ou constatação de elementos digitais, como sites, mensagens eletrônicas, redes sociais e aplicativos de comunicação, ampliando significativamente seu alcance e aplicabilidade na era digital.
No campo probatório, a ata notarial tem reconhecido valor jurídico autônomo e qualificado. A jurisprudência pátria a tem admitido como meio idôneo de prova pré-constituída, capaz de demonstrar a veracidade de fatos presenciados pelo notário. Nesse sentido, o STJ já decidiu:
“A ata notarial, por gozar de fé pública, constitui meio de prova idôneo a demonstrar a veracidade dos fatos nela retratados, dispensando, em regra, outras provas complementares.” (STJ, AgInt no AREsp 1.356.536/SP, Rel. Min. Marco Buzzi, Quarta Turma, j. 23/04/2019).
3 – Vantagens da ata notarial na área condominial
Entre as principais vantagens do uso da ata notarial, destacam-se:
3.1 Fé pública e presunção de veracidade
Uma das principais virtudes jurídicas da ata notarial, especialmente relevante na gestão de condomínios, é o fato de ser um documento dotado de fé pública e, consequentemente, revestido de presunção de veracidade quanto aos fatos nela relatados.
A fé pública notarial é a prerrogativa legal conferida ao tabelião de notas, que o autoriza a atestar a veracidade de fatos e declarações presenciados no exercício de sua função. Tal prerrogativa tem fundamento nos arts. 3º e 6º da lei 8.935/1994, que reconhecem o notário como agente delegado do Poder Público, investido de autoridade para dar autenticidade, publicidade e segurança aos atos jurídicos.
Em razão dessa fé pública, presume-se que os fatos descritos na ata notarial refletem a realidade efetivamente constatada pelo tabelião, até prova em contrário. Essa presunção de veracidade é relativa (juris tantum), o que significa que pode ser desconstituída mediante prova robusta em sentido contrário, mas, enquanto não houver impugnação idônea, produz plenos efeitos jurídicos.
No contexto condominial, essa característica confere à ata notarial um alto valor probatório e administrativo. Em situações que envolvem conflitos entre condôminos, questionamentos sobre assembleias, descumprimento de normas internas ou danos em áreas comuns, o síndico e o corpo diretivo frequentemente necessitam de provas confiáveis e imparciais para embasar medidas internas ou judiciais.
Assim, a ata notarial, lavrada por um tabelião que constata pessoalmente o fato (ou, em casos eletrônicos, o conteúdo digital acessado), transforma percepções subjetivas em prova objetiva. Por exemplo, quando o notário verifica ruídos excessivos, infiltrações, obstrução de áreas comuns ou mau uso de dependências coletivas, o registro lavrado por ele constitui documento autêntico, que pode fundamentar notificações, multas e até mesmo ações judiciais, com força probatória superior a simples declarações ou fotografias.
4.1 Segurança jurídica e força probatória
A segurança jurídica e a força probatória representam uma das mais expressivas vantagens da utilização da ata notarial na gestão condominial. Trata-se de um instrumento público que confere autenticidade e validade jurídica aos fatos nele relatados, servindo como prova pré-constituída e documento dotado de presunção de veracidade, conforme previsto no art. 384 do CPC.
A segurança jurídica decorre do fato de que a ata notarial é lavrada por um tabelião de notas, profissional investido de fé pública estatal (art. 3º da lei 8.935/1994), o que assegura que o conteúdo do documento reproduz fielmente fatos presenciados, verificados ou constatados por esse agente público. Assim, diferentemente de documentos particulares, relatórios administrativos ou registros fotográficos produzidos unilateralmente, a ata notarial tem presunção legal de autenticidade, reduzindo significativamente o risco de impugnações ou alegações de falsidade.
No campo condominial, essa característica tem especial relevância, pois grande parte dos conflitos envolve discussões fáticas, de difícil comprovação posterior – como perturbações reiteradas, descumprimento de regras internas, danos em áreas comuns ou irregularidades em assembleias. Nesses casos, o síndico, ao recorrer à ata notarial, formaliza e cristaliza juridicamente a ocorrência de um fato, transformando-o em elemento probatório idôneo e seguro, apto a embasar medidas administrativas e judiciais.
A segurança jurídica que a ata confere à administração condominial também se manifesta em sua função preventiva. Ao formalizar fatos e irregularidades de forma imparcial, o condomínio reduz o espaço para controvérsias, aumenta a transparência dos atos de gestão e protege o síndico e o corpo diretivo contra alegações infundadas. Ademais, em eventual processo judicial, o juiz tende a atribuir elevado grau de credibilidade ao conteúdo da ata, o que fortalece a posição processual do condomínio.
Exemplos práticos incluem a lavratura de ata notarial para documentar o estado físico de fachadas e áreas comuns antes de obras, prevenindo litígios com empreiteiras, a constatação de infrações reiteradas ao regulamento interno, servindo como base probatória para aplicação de multas ou ações de obrigação de fazer/não fazer, o registro do transcurso de assembleias, evitando questionamentos futuros quanto à regularidade das deliberações, bem como a verificação de publicações e comunicações eletrônicas (e-mails, mensagens em aplicativos ou sites do condomínio), conferindo validade probatória a documentos digitais.
Portanto, ao ser utilizada como instrumento de registro técnico e imparcial, a ata notarial fortalece a segurança jurídica da gestão condominial, oferecendo uma base probatória sólida, transparente e juridicamente incontestável. Sua adoção sistemática demonstra boa-fé administrativa, diligência e profissionalismo, valores essenciais à administração moderna dos condomínios.
4.2 Imparcialidade e tecnicidade
A imparcialidade e a tecnicidade do notário constituem elementos essenciais que asseguram a credibilidade e a neutralidade da ata notarial, atributos especialmente relevantes no contexto da gestão condominial, onde as divergências entre condôminos, corpo diretivo e terceiros são frequentes e, por vezes, acirradas.
Nos termos do art. 6º da lei 8.935/1994, o notário é profissional do Direito, dotado de fé pública, que exerce função pública delegada pelo Estado, com a finalidade de garantir a autenticidade, a publicidade, a segurança e a eficácia dos atos jurídicos. Essa natureza jurídica impõe ao tabelião o dever de atuar com absoluta neutralidade, sem qualquer interesse nas partes envolvidas ou no resultado da constatação.
A imparcialidade notarial diferencia a ata notarial de outros meios de prova com origem unilateral, como relatórios de síndico, registros de zeladores ou declarações de testemunhas. Enquanto estes refletem percepções subjetivas e podem ser questionados por parcialidade, o documento lavrado por tabelião representa a constatação objetiva de um fato, observada e descrita sob critérios técnicos e sem juízo de valor. Essa característica reforça a credibilidade do documento e lhe confere elevada força persuasiva perante o Poder Judiciário.
A tecnicidade, por sua vez, diz respeito ao conhecimento jurídico e notarial aplicado pelo tabelião na redação da ata. O notário não se limita a reproduzir descrições; ele observa, qualifica e formaliza os fatos de modo juridicamente adequado, de forma a garantir que o documento atenda aos requisitos legais e probatórios exigidos. Essa atuação técnica abrange tanto a observação direta de situações físicas (como infiltrações, ruídos, obras ou danos em áreas comuns) quanto a constatação de elementos digitais, como e-mails, mensagens em grupos de aplicativos, convocações eletrônicas de assembleias e publicações em sites de condomínios, conforme autorizado pelo provimento CNJ 100/20, que regulamenta os atos notariais eletrônicos no Brasil.
No contexto da administração condominial, a imparcialidade e tecnicidade do notário garantem que a ata notarial não favoreça qualquer parte, servindo como instrumento de verdade e transparência. Por exemplo, quando o tabelião é chamado para registrar uma assembleia tumultuada, o estado de conservação de determinada área comum, ou uma suposta conduta irregular de um morador, ele atua apenas como observador qualificado, descrevendo fielmente o que presencia, sem emitir opinião, juízo de culpa ou conclusão interpretativa.
Essa postura neutra e técnica confere estabilidade às relações condominiais, pois permite que decisões administrativas, sanções internas e eventuais medidas judiciais sejam baseadas em documentação objetiva e isenta, afastando alegações de parcialidade ou perseguição. Ademais, em eventual processo judicial, a isenção do notário reforça a confiabilidade da prova, tornando a ata notarial um meio probatório robusto e dificilmente contestável.
4.3 Prevenção de litígios
A prevenção de litígios e a promoção da solução pacífica de conflitos constituem um dos principais benefícios decorrentes do uso da ata notarial na gestão condominial. Em um ambiente naturalmente coletivo e, portanto, sujeito a divergências de convivência e interpretação de regras, a possibilidade de documentar fatos de maneira imparcial, técnica e juridicamente válida confere ao condomínio um poderoso instrumento de pacificação social e redução de disputas judiciais.
No âmbito condominial, conflitos relativos a barulho, obras irregulares, infiltrações, uso indevido de áreas comuns, comportamento antissocial, ou impugnações de assembleias são recorrentes. Em tais situações, a ausência de provas objetivas frequentemente acirra os ânimos e torna as medidas administrativas mais vulneráveis a questionamentos. A ata notarial, ao descrever fielmente o ocorrido, elimina a subjetividade dos relatos e oferece à administração um registro oficial e incontestável que pode servir tanto para convencer as partes em uma fase pré-litigiosa quanto para fundamentar futuras ações judiciais, caso o conflito evolua.
O art. 384do CPC legitima a utilização da ata notarial como meio de prova autônomo, capaz de comprovar a existência e o modo de existir de um fato, conferindo-lhe natureza de prova pré-constituída. Assim, quando o síndico adota a ata notarial para documentar um fato relevante, por exemplo, a constatação de ruído excessivo ou o estado de conservação de determinada área, ele reduz a margem para controvérsias e dificulta impugnações sobre a veracidade das ocorrências.
Essa prática se alinha diretamente ao princípio da eficiência administrativa, previsto no art. 37, caput, da CF/88, e ao princípio da prevenção de litígios, consagrado implicitamente no art. 3º, §§ 2º e 3º, do CPC, que estimula a solução consensual de conflitos e a adoção de meios preventivos pela administração privada e pública.
No contexto prático, a ata notarial atua como ferramenta de mediação indireta: ao tornar os fatos incontestáveis, reduz o espaço para interpretações pessoais einibe o prolongamento de disputas. É comum que, após a lavratura da ata, as partes envolvidas recuem de comportamentos litigiosos diante da clareza e seriedade do registro oficial. Assim, o condomínio evita a judicialização de questões menores, economizando recursos financeiros e preservando a convivência interna.
Além disso, em situações em que a via judicial se torna inevitável, a ata notarial contribui decisivamente para a rápida solução do processo, pois serve como prova técnica e objetiva, capaz de dispensar a produção de outras provas, como perícias ou testemunhos, conforme reconhecido pela jurisprudência do STJ.
Portanto, a ata notarial, ao registrar os fatos de forma imparcial e dotada de fé pública, atua como um instrumento de prevenção de litígios e pacificação condominial, permitindo que o síndico e o corpo diretivo atuem com prudência, respaldo jurídico e transparência. Sua adoção demonstra comprometimento com a boa governança condominial, reduz o passivo litigioso e fortalece a imagem institucional do condomínio como entidade organizada, responsável e juridicamente consciente.
4.4 Aplicabilidade da ata notarial em meios digitais e tecnológicos na gestão condominial
A crescente digitalização das relações condominiais impulsionada pela necessidade de comunicação ágil, transparência administrativa e utilização de plataformas virtuais tornou a ata notarial eletrônica um instrumento indispensável para a segurança jurídica e probatória dos atos praticados no meio digital. A possibilidade de o tabelião constatar e certificar fatos ocorridos em ambientes virtuais, com fé pública, amplia significativamente o campo de atuação desse instrumento na gestão moderna de condomínios.
A regulamentação que possibilita tais atos encontra fundamento no provimento 100/20 da CNJ, que instituiu o Sistema de Atos Notariais Eletrônicos (e-Notariado), permitindo a prática remota de atos notariais, inclusive a lavratura de atas notariais por meio digital, com uso de videoconferência e assinatura eletrônica qualificada. Essa inovação conferiu validade jurídica e autenticidade aos registros notariais realizados no ambiente eletrônico, estendendo à esfera digital a mesma fé pública e força probatória dos atos presenciais.
Na administração condominial, tal avanço é particularmente relevante, considerando que grande parte das atividades de gestão passou a ser conduzida em plataformas virtuais: convocações e atas de assembleias digitais, comunicações via aplicativos de mensagens, grupos de WhatsApp, e-mails corporativos, sistemas de gestão condominial e até redes sociais de moradores. Em todos esses casos, a ata notarial eletrônica pode ser utilizada para documentar conteúdos e condutas digitais, garantindo a preservação de provas que poderiam ser facilmente alteradas, excluídas ou adulteradas.
Entre as principais aplicações práticas da ata notarial digital na gestão condominial, destacam-se a constatação de publicações eletrônicas em grupos de WhatsApp, Telegram, e-mails coletivos ou redes sociais, comprovando mensagens ofensivas, ameaças ou comunicações relevantes, bem como a verificação de convocações e deliberações em assembleias virtuais, garantindo a autenticidade dos acessos, votos e registros eletrônicos;
Outras aplicações podem ser citadas como sendo o registro do conteúdo de sites e portais condominiais, como editais, comunicados e avisos administrativos, assegurando sua integridade e data de publicação, a documentação de reuniões por videoconferência, especialmente quando há disputas sobre a condução, votações ou declarações feitas pelos participantes, bem como a comprovação de falhas ou irregularidades em plataformas de gestão, útil em eventual litígio com empresas administradoras ou prestadores de serviço de tecnologia.
A ata notarial, quando aplicada a esses meios, funciona como instrumento de preservação da prova digital, dotando o condomínio de um registro imparcial, técnico e juridicamente válido, cuja autenticidade não depende da manutenção do conteúdo original no ambiente virtual. O tabelião, ao lavrar a ata, acessa o conteúdo eletrônico diretamente, descreve a estrutura, o endereço digital (URL), as mensagens, imagens, data e hora da constatação, garantindo sua confiabilidade e rastreabilidade.
Do ponto de vista jurídico, a ata notarial eletrônica se mostra fundamental para a prevenção de litígios digitais, uma vez que os meios eletrônicos são altamente voláteis e suscetíveis à manipulação. Sua utilização confere segurança jurídica às comunicações e deliberações condominiais, preservando o condomínio de alegações de nulidade, fraude ou ausência de prova.
4.5 Economia processual e eficiência administrativa
A ata notarial também se destaca como instrumento que promove economia processual e eficiência administrativa na gestão condominial. Esses dois princípios, de matriz constitucional e processual, refletem a busca por uma administração racional, ágil e juridicamente segura, reduzindo custos e tempo despendido na solução de controvérsias e na formalização de atos administrativos.
O princípio da eficiência, previsto no art. 37, caput, da CF/88, impõe à administração pública e, por analogia, aos gestores privados de natureza coletiva, como os síndicos, o dever de atuar de modo produtivo e com o melhor aproveitamento dos recursos disponíveis. Já o princípio da economia processual, consagrado implicitamente no art. 4º do CPC, orienta que o processo deve alcançar sua finalidade com o menor dispêndio possível de tempo e de recursos. A ata notarial, ao documentar fatos de forma prévia, técnica e autêntica, antecipa a produção da prova e reduz a necessidade de instrução probatória posterior, colaborando diretamente para o cumprimento desses princípios.
Na gestão condominial, essa eficiência se manifesta em diversas dimensões, seja por meio de redução de litígios judiciais, da simplificação de procedimentos administrativos, da economia financeira, da agilidade decisória ou do aproveitamento processual – caso o conflito evolua para a esfera judicial, a ata notarial serve como prova documental plena, dispensando outras provas complementares, o que acelera o julgamento da causa.
Além disso, a ata notarial racionaliza a gestão documental do condomínio, uma vez que o registro lavrado em cartório passa a integrar o acervo oficial da administração, podendo ser consultado futuramente como prova histórica da atuação do síndico e das medidas adotadas, inclusive para fins de prestação de contas.
Em um cenário de crescente complexidade jurídica e social da vida condominial, o uso da ata notarial permite ao síndico atuar com prudência, transparência e eficiência, demonstrando zelo na administração dos recursos e respeito às normas legais e convencionais. Ao transformar fatos em documentos públicos dotados de fé pública, o condomínio reduz incertezas, evita gastos desnecessários e assegura decisões mais rápidas e fundamentadas, em consonância com os princípios da governança condominial moderna.
Fonte: Migalhas