Comprei um imóvel direto de herdeiros e até hoje não tenho escritura. Como regularizar?
A oportunidade de comprar um imóvel/terreno por um preço atrativo diretamente de herdeiros, dentro de um processo de inventário, leva muitas pessoas a fechar negócio sem a devida cautela. O problema surge quando, anos depois, o comprador percebe que tem apenas um contrato de “cessão de direitos hereditários” – ou um outro documento com qualquer outro título, ainda que tecnicamente incorreto – , o inventário nunca foi concluído e, consequentemente, ele não consegue obter a escritura definitiva e muito menos o registro do imóvel em seu nome. Se você está nessa situação, saiba que não está sozinho. Essa é uma das formas mais comuns de irregularidade imobiliária, mas que possui caminhos para a regularização e a conquista da propriedade plena.
Comprar um imóvel atrelado a um inventário exige uma análise de risco cuidadosa. Enquanto o inventário não for finalizado com a partilha, o conjunto de bens do falecido (o “Espólio”) é considerado um todo indivisível. Isso significa que os herdeiros são donos de uma fração ideal do todo, e não de bens específicos. Assim reza o art. 1.791 do CCB:
“Art. 1.791. A herança defere-se como um todo unitário, ainda que vários sejam os herdeiros.
Parágrafo único. Até a partilha, o direito dos co-herdeiros, quanto à propriedade e posse da herança, será indivisível, e regular-se-á pelas normas relativas ao condomínio”.
O risco se agrava exponencialmente quando o objeto da compra é um terreno que faz parte de uma área maior ainda não desmembrada. Nesses casos, você não está comprando um lote individualizado, mas sim uma fração de uma gleba maior, o que adiciona uma camada extra de complexidade à futura regularização. A solução mais robusta e frequentemente utilizada para quem se encontra nessa situação é a Usucapião. Se você comprou o terreno, pagou o preço, e exerce a posse mansa, pacífica e ininterrupta, com a intenção de ser dono, por um determinado período (que pode variar de 5 a 15 anos, dependendo das características do caso), você pode ter o direito de adquirir a propriedade por meio da Usucapião. A grande vantagem é que este procedimento “limpa” o histórico do imóvel e não depende da conclusão do Inventário. Hoje, a Usucapião pode ser feita diretamente em Cartório (Usucapião Extrajudicial), sendo uma via muito mais rápida e eficiente que um processo judicial, porém, como sempre destacamos aqui, a análise prévia do caso é imprescindível para não se perder tempo nem dinheiro na via não recomendada dadas as particularidades do caso.
Outra possibilidade, a depender do caso (não recomendada para quando a compra é feita direto de herdeiros sobre bem que não possuem ainda a titularidade, como já explicamos em outros textos), pode ser a Adjudicação Compulsória. Esta ferramenta – que também exige análise prévia e cuidadosa – é aplicável quando você possui um contrato preliminar válido e a prova inequívoca de que pagou todo o preço combinado, mas os promitentes vendedores se recusam ou não conseguem outorgar a Escritura definitiva. Recentemente, a legislação também passou a permitir a Adjudicação Compulsória Extrajudicial, diretamente em Cartório, o que pode agilizar a solução. Contudo, para que ela seja viável, é necessário que o imóvel já esteja individualizado (desmembrado) na matrícula, o que também pode ser um obstáculo, a depender do caso.
A importância do Advogado Especialista é dupla: preventiva e remediativa. Antes da compra, a consulta prévia é crucial para analisar os riscos (e muita gente compra imóveis sem qualquer assessoria jurídica). Se a compra já foi feita e o problema está instalado, a atuação do advogado é ainda mais vital. Ele irá definir a melhor estratégia, que pode ser a Usucapião, a Adjudicação Compulsória ou, de forma mais direta, intervir no processo de inventário. É fundamental destacar que o Código de Processo Civil confere ao adquirente (cessionário/credor) a legitimidade para requerer a abertura do inventário, caso ele não tenha sido iniciado, ou para se habilitar no processo já existente, a fim de fiscalizar, impulsionar seu andamento e garantir que seus direitos sejam cumpridos até a outorga da Escritura.
Portanto, se você comprou um imóvel/terreno em um inventário e está em um limbo jurídico, não se desespere. Existem soluções concretas para regularizar sua propriedade. O caminho pode ser a Usucapião, que cria uma nova matrícula para o seu imóvel, ou a atuação direta no processo de inventário para destravá-lo: tudo vai depender do cenário do caso que precisa ser conhecido e cuidadosamente examinado. O passo mais importante é buscar a orientação de um Advogado Especialista em Direito Imobiliário e Sucessões, que terá a expertise para transformar sua posse em propriedade legal e garantir a segurança do seu patrimônio.
Fonte: Julio Martins