INVENTÁRIO OU DOAÇÃO? QUAL É A MELHOR FORMA DE TRANSFERIR OS BENS

A morte de um ente querido é dolorosa para a família e se não for preparada com antecedência, pode implicar em dores de cabeça inesperadas aos herdeiros
 
Quando um parente morre, a família precisa lidar com dois fatores: o luto e a burocracia. Avisar os amigos, correr atrás de documentos e certidões, encerramento de contas, linhas telefônicas e outras assinaturas podem surpreender os familiares. Mas as dores de cabeça não param por aí.
 
Se a pessoa morre deixando bens, ainda há de se fazer o inventário, processo que assusta muitas famílias por se tratar de uma documentação complicada e demorada.
 
Para evitar a burocracia e os custos do inventário, é possível realizar a transferência de propriedade ainda em vida. “Se o inventário é um processo que ocorre quando uma pessoa falece deixando bens, se ela não deixa bens, não há necessidade de fazer o inventário”, explica Daniel Tardelli Pessoa, advogado e sócio do escritório Ferraz de Camargo e Matsunaga Advogados.
 
Muitas famílias optam por fazer a doação de bens, em que a pessoa pode deixar seu patrimônio a terceiros através de um contrato. Pessoa elucida que atualmente os contratos de doação podem ser muito mais complexos do que antigamente e já é possível adicionar cláusulas que permitam que o proprietário usufrua de seus bens até o momento de sua morte.
 
O advogado informa que também é possível fazer uma doação remuneratória, quando o donatário (quem irá receber a doação) só receberá o bem caso cumpra algo previsto no contrato, podendo ser o término de uma faculdade, casamento, idade prevista, etc.
 
Se a pessoa deixar herdeiros (cônjuges e filhos, em casos em que não há cônjuge nem filho, os pais tornam-se herdeiros), obrigatoriamente eles devem receber uma parte dos bens, ainda que não seja da vontade do proprietário. A legislação brasileira impede que o proprietário transfira mais de 50% de seus bens para herdeiros não legítimos. Se não houver nenhum herdeiro, pode-se escolher doar 100% do seu patrimônio.
 
Ou seja, se um doador tiver dois filhos, 50% dos seus bens serão divididos entre os dois. Se houver algum testamento ou doação em vida, afirmando a vontade do doador de deixar os outros 50% a alguma outra pessoa (não necessariamente herdeiro legítimo) ou instituição, o resto dos bens segue a vontade do proprietário.
 
Além dos filhos, os cônjuges sobreviventes também entram na conta, mas esse ponto depende do regime de casamento adotado pelo casal. O mais comum no Brasil é a comunhão parcial de bens, quando o casal divide tudo que foi adquirido durante o casamento.
 
Suponha que um casal, com regime parcial de bens, adquiriu todos os bens depois do casamento. Caso uma das partes venha a falecer, na equação dos 50% disponíveis para a divisão, devem entrar: cônjuge sobrevivente e filhos. Se o falecido não tiver feito testamento ou doação que especifique sua vontade de doar 50% de sua parcela de bens, cada um dos herdeiros receberá uma porcentagem igual sobre as propriedades.
 
Pessoa explica que a legislação não permite que o doador seja reduzido à situação de pobreza, portanto, não é possível doar todos os bens em vida e ficar sem meios de subsistência. “A rigor, você pode doar todo o seu patrimônio, desde que mantenha meios para sobreviver”, ressalta.
 
O imposto que incide sobre a doação é o ITCMD (Transmissão Causa Mortis e Doação), Carlos Portugal, professor da USP e sócio do escritório PGLaw, destaca que o ITCMD no Brasil é bastante baixo em relação a outros países – podendo variar de 2% a 8%, a depender do Estado -, o que facilita as transações. Mas Carlos adverte que esse imposto sofre uma grande pressão para que seja aumentado.
 
O inventário é um documento pelo qual se faz a apuração do patrimônio deixado por uma pessoa falecida. Depois da apuração é possível partilhar essas posses, e segue a mesma linha de divisão de bens da doação. Apenas 50% das posses do proprietário podem ser doadas a herdeiros não legítimos e caso o falecido não tenha feito um testamento, todos os seus bens são divididos entre os herdeiros.
 
O patrimônio levantado pelo inventário é composto pelos bens e eventuais dívidas. Todavia, os herdeiros não são obrigados a aceitar esse patrimônio. Em casos em que o valor das dívidas é maior do que dos bens, os herdeiros podem recusar o recebimento. Por isso, vale avaliar os ônus e bônus, pois em caso de aceite, o herdeiro recebe os bens e as dívidas também.
 
Para o inventário, é obrigatória a presença de um advogado, tanto nos processos judiciais quanto nos extrajudiciais, o que aumenta o gasto total. Mas em relação aos gastos com tributos e taxas, Pessoa afirma que a diferença não é muito grande, tendo em vista que o mesmo imposto que incide sobre a doação é o mesmo sobre o inventário. No entanto, a doação é mais simples e mais rápida de ser implementada.
 
“Em outros estados, há um imposto de doação muito baixo e o imposto de causa morte maior, nesses casos, justifica-se fazer a doação”, explica Pessoa. Segundo o advogado, outra vantagem é destinar seu patrimônio em vida.
 
As formas para transferir os bens podem variar de acordo com o patrimônio e o desejo de cada pessoa. Portugal, professor da USP e sócio do escritório PGLaw, afirma que para o patrimônio de uma família de classe média, o testamento é uma ótima solução. Mas para famílias mais abastadas, formar uma holding – integrar o patrimônio em uma sociedade para a distribuição de cotas – é bastante eficaz.
 
“Esses métodos agilizam e organizam a distribuição dos bens, mas é importante que o proprietário faça um testamento, deixando claro seus últimos desejos e beneficiários de seu patrimônio”, conclui o professor. “Quanto maior a complexidade do patrimônio, independentemente da idade, maior é a recomendação para pessoa começar a pensar no seu processo sucessório”, aconselha.
 
O inventário e a doação são ferramentas importantes que o proprietário pode utilizar para dividir seus bens conforme suas vontades, podendo evitar conflitos entre os herdeiros. Caso o proprietário não faça nenhum dos planejamentos, serão aplicadas as regras gerais do código civil, em que os herdeiros legítimos herdam os bens, perdendo-se o controle sobre seus bens.