Planejamento patrimonial e sucessório

No ano de 2023, todo o Brasil pôde acompanhar de perto uma série de eventos sucessórios que colocaram ainda mais em voga a importância da realização de um planejamento patrimonial sucessório pelas famílias.

 

A morte da renomada jornalista Glória Maria em fevereiro de 2023 gerou comoção nacional e desencadeou questões sucessórias relacionadas aos seus bens, estimados em R$ 50 milhões.

 

Antes de falecer, Glória planejou a transferência de seus ativos para suas filhas menores, nomeando Paulo Mesquita como tutor. Regina Casé, amiga da família, e os padrinhos também foram escolhidos para desempenhar papéis ativos na criação das meninas.

 

A tutela busca assegurar a proteção abrangente das crianças em aspectos como educação, lazer e desenvolvimento, especialmente na ausência da mãe. Este caso destaca a relevância do planejamento sucessório em situações que envolvem filhos menores.

 

Em junho de 2023, a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) estabeleceu precedente relevante para casos de planejamento patrimonial e sucessório. O caso tratava da disputa sucessória entre herdeiros necessários e testamentários relacionada ao testamento de Gugu Liberato, que abrangia toda a sua herança, a ser dividida entre filhos e sobrinhos.

 

A controvérsia central girava em torno da validade do testamento, considerando a preservação da legítima dos herdeiros necessários, correspondente à metade do patrimônio.

 

A ministra relatora, Nancy Andrighi, interpretou de maneira integrada os dispositivos legais sobre legítima e disposição testamentária, concluindo que não há impedimento para mencionar no testamento a parte indisponível destinada aos herdeiros necessários, desde que não prejudique a legítima. Destacou-se a necessidade de intervenção mínima do Judiciário em questões testamentárias para preservar a última vontade do testador dentro dos limites legais.

 

Desde agosto de 2023, o caso de Larissa Manoela evidencia desafios na gestão de patrimônio por parte dos pais. A atriz, que começou a carreira aos quatro anos, descobriu aos 22 anos que seu patrimônio de R$ 18 milhões estava em uma holding, onde ela era sócia minoritária com 2%, enquanto os pais tinham controle majoritário.

 

Essa inversão no tradicional movimento de constituição de holdings pelos ascendentes levanta questões sobre o controle e gestão do patrimônio de jovens influenciadores. A escolha de utilizar holdings antes da maioridade tem vantagens, mas é crucial considerar as questões legais relacionadas à incapacidade civil dos menores.

 

Mesmo após a maioridade, estruturas societárias podem permitir a administração pelos pais, mas é essencial preservar o patrimônio do menor, considerando as necessidades de todas as partes envolvidas.

 

Desde julho de 2023, a Reforma Tributária gerou discussões sobre seu impacto no Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doação (ITCMD), afetando o planejamento sucessório. A uniformização proposta pode aumentar alíquotas, influenciando transmissões de maior valor.

 

A iminência da reforma destaca a necessidade de ações proativas para mitigar impactos negativos, como minimizar o impacto fiscal, proporcionar tempo hábil para implementação e reduzir riscos futuros. O planejamento antes das mudanças assegura segurança jurídica nas transmissões patrimoniais, prevenindo uma carga tributária mais elevada no futuro.

 

Em setembro de 2023, a CCJ da Câmara aprovou o projeto de lei que propõe a divisão igualitária da herança entre irmãos bilaterais e unilaterais. A proposta revoga a diferenciação entre meios-irmãos, garantindo a igualdade na sucessão familiar. O projeto, se aprovado, representa um marco relevante no planejamento patrimonial sucessório, especialmente para aqueles que valorizam a igualdade entre irmãos, independentemente da relação biológica.

 

Desde o julgamento de 2011 (ADI 4277 e ADPF 132), que reconheceu as uniões homoafetivas, casais do mesmo sexo no Brasil têm desfrutado dos mesmos direitos familiares e sucessórios que casais heterossexuais. Contudo, em outubro de 2023, a notícia de um projeto de lei que proíbe casamentos entre pessoas do mesmo sexo biológico levantou preocupações. A proposta aguarda análise por comissões e, se aprovada, enfrentará desafios legais, incluindo a possibilidade de contestação no STF.

 

A constitucionalidade da lei poderá ser questionada, mas caso aprovada, a garantia dos direitos adquiridos até então está respaldada pela Constituição Federal, impedindo retrocessos nos casamentos e uniões já existentes. O cenário é considerado um retrocesso social e contraproducente em relação às evoluções na legislação brasileira, podendo ser contestado no STF por meio de ações diretas de inconstitucionalidade.

 

Em novembro de 2023, a Quarta Turma do STJ reconheceu a validade de um testamento que nomeou a filha mais velha como inventariante e curadora da herança destinada à filha menor. O caso destaca a eficácia do testamento no planejamento sucessório, permitindo a nomeação de curadores mesmo quando os herdeiros são menores e estão sob o poder familiar. A decisão reforça a importância de ferramentas como o testamento para abordar questões específicas, garantindo a preservação das intenções do testador.

 

A retrospectiva de 2023 destaca a relevância do planejamento patrimonial sucessório como essencial para assegurar uma transferência eficiente de bens e ativos para futuras gerações, por meio da utilização de estruturas e instrumentos, que atendam aos desejos do formador do patrimônio, considere as necessidades específicas de cada núcleo familiar, preserve o patrimônio e o legado familiar ao longo do tempo.

 

*Juliana Raffo, advogada especialista em Direito Civil, Processo Civil e Direito Empresarial; e Dandara Marques Piani, advogada especialista em Direito das Sucessões e planejamento patrimonial sucessório. Integrantes do Family Office do Briganti Advogados